Maria corria aflita quando tropeçou em uma pedra e caiu no chão úmido da floresta.
- Não! – bradou Pedro de uma distância segura.
Maria virou-se lentamente e viu aquela estranha criatura lhe encarando.
A criatura era alta com pernas extremamente longas e finas, seu tronco era pequeno como de um bebê, não tinha braços e tinha duas cabeças, uma com quatro olhos dois chifres e outra com três bocas e um enorme cabelo preto, porém o mais assustador era a quantidade enorme de dentes que ambas as cabeças tinham ao seu redor. Maria ficou completamente paralisada.
Alguns segundos depois Pedro ouviu um grito de pavor, e caiu no chão aos prantos. Ele sabia: Maria acabara de ser devorada.
Ao ler essa história você possivelmente criou uma imagem em sua cabeça da estranha criatura narrada, e vivenciou cada segundo com Maria até o seu último suspiro, porém o mais impressionante é que mesmo a criatura sendo completamente irreal e, por que não, inexistente, você foi capaz de visualizá-la em sua mente.
Mas por que isso aconteceu? A explicação é simples: a língua não é um sistema de mostração de objetos, pois a linguagem humana pode falar de objetos presentes ou ausentes da situação de comunicação. Aliás, o objeto nem precisa existir para que falemos dele, pois a língua pode criar universos de coisas inexistentes. Para Saussure, o signo linguístico tem duas características principais: a arbitrariedade do signo e a linearidade do significante.
A arbitrariedade do signo:
Para Saussure o signo linguístico é arbitrário, portanto cultural. Arbitrário é o contrário de motivado, ou seja, não há nenhuma relação necessária entre o som e o sentido, não há nada no significante que lembre o significado.
Por exemplo, a palavra "mar" é "sea" em inglês e a palavra "cão" é "dog". Porém os sons de "mar" ou "sea" nada lembram o significado "massas de águas salgadas do globo terrestre", e o mesmo ocorre com os sons de "cão" e "dog", pois nada lembra "animal de quatro patas melhor amigo do homem".
Para Saussure, o "signo ser arbitrário não significa que o significado depende da livre escolha do falante" (1969:83), pois não está nas mãos do indivíduo a capacidade de mudar nada num signo linguístico, já que este é social. Imagine, por exemplo, um diálogo entre um casal de namorados:
- Amor, eu te amo, você é uma verdadeira cadela vagabunda para mim.
- Como assim? – brada Maria
- Oras, uma cadela vagabunda daquelas bem grandes. – responde tranquilamente Pedro.
- Isso é um absurdo, não sou cadela e muito menos vagabunda! – responde Maria furiosa.
- Ofensa? Por que ofensa? Eu estou elogiando você, quer dizer, para mim essas palavras tem o sentido exato de um lindo elogio.
- Elogio? Apenas no seu mundo isso é um elogio, pois para o resto da sociedade isso é uma verdadeira ofensa! – grita Maria enquanto esbofeteia Pedro.
Pedro coloca a mão calmamente em seu rosto vermelho.
- O elogio é meu, portanto as palavras também são minhas. Cabe a você entende-las da mesma forma que eu.
No exemplo o jovem apaixonado usa uma convenção própria da palavra "cadela" e "vagabunda" alegando ser um elogio para si, porém ao estabelecer sua própria convenção ele não permite a comunicação com Maria, que fica completamente ofendida com o elogio feito por seu namorado.
Portanto para Saussure, para que ocorra a comunicação é preciso que os falantes usem o mesmo consenso, caso contrário não seria possível nenhum tipo de comunicação.
Ainda no conceito de arbitrariedade, Saussure faz uma distinção entre o que é absolutamente arbitrário e relativamente arbitrário. Por exemplo, um signo como "mar" é absolutamente arbitrário, pois não existe nenhuma motivação no liame que una o significante e o significado. Já um signo como o dezenove lembra os dois signos que o compõe: dez e o nove. Como a origem de dezenove é "dez + nove" e o significante é composto dos signos dez e nove, ele é relativamente motivado. Por outro lado, os signos dez e nove são absolutamente arbitrários.
Vale mencionar que a arbitrariedade do signo não se aplica a todas as linguagens, pois há linguagens como as visuais, por exemplo, que têm signos em que a relação entre significante e significado é motivada. Nos símbolos, a relação entre o significado e o significante pode ser motivada. Citamos como exemplo a Deusa da Justiça Themis, uma mulher com os olhos vendados e com uma balança nas mãos, onde a vedação nos olhos representa a imparcialidade do juiz (ou da própria Justiça) ao julgar um processo e a balança que representa a equanimidade, ou seja, a não diferenciação entre as partes processuais.
Por fim, é na poesia que a motivação do signo aparece com toda a sua força, pois o poeta busca motivar a relação entre o significante e o significado.
A linearidade do significante
Para finalizar trataremos da linearidade do significante. A linearidade é uma característica das línguas naturais, segundo a qual os signos, uma vez produzidos, dispõem-se uns depois dos outros numa sucessão temporal ou espacial, por causa dessa característica não se pode produzir mais de um elemento linguístico de cada vez; um som vem depois de outro, uma palavra depois da outra, e não se podem produzir dois sons ao mesmo tempo ou duas palavras ao mesmo tempo.
Porém existem linguagens cujos significantes não são lineares e, portanto se apresentam simultaneamente como, por exemplo, uma pintura.
Bibliografia:
FIORIN, JOSÉ LUIZ. Introdução à linguística I - Objetos teóricos. Editora Contexto, vol. 1 – São Paulo, 2006.
Texto por Iole Pontes
Arte por Jéssica Lima
Excelente! Conteúdo claro e objetivo. Parabéns pelo blog.
ResponderExcluirÓtimo blog, recomendo!!
ResponderExcluirGostei muito
ResponderExcluirMuito bom o blog... confesso que não estava entendendo o assunto, mas aqui... Ficou claro!
ResponderExcluirObrigado pelas contribuições.
Arrasaram!!
ResponderExcluirÓtima produção, clara e objetiva. Parabéns
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirEstas coisas salvam a gente...
ResponderExcluirObrigada!
Muito bom! Recordei o conceito de linearidade!
ResponderExcluirConteúdo excelente, bem didático, vou usar para os meus alunos do ensino médio. Parabéns!
ResponderExcluirExplicação perfeita! Simples e didática, meus parabéns!
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirContudo, não estou, ainda, familiarizado com a matéria concernente a linearidade do significante.
Obrigado!
Excelente. Parabéns!
ResponderExcluirAmei!
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