domingo, 27 de outubro de 2013

Dicotomias Saussurianas

Antigamente os pesquisadores acreditavam no parentesco entre as línguas. Havia o agrupamento das línguas em famílias de acordo com a afinidade entre elas. Os pesquisadores tinham interesse em saber como as línguas evoluíram, e os estudos eram histórico-comparatistas.

No final do século XIX e início do século XX, começaram a aparecer pesquisadores interessados na língua como um fator social. Nesse momento surgiram uma das primeiras preocupações de Saussure, antes mesmo de começar a postular suas teorias, que foi a organização metodológica dos estudos linguísticos. Até então vários estudiosos travam de coisas diferentes com nomes iguais e vice-versa, ou seja, havia a ausência de uma terminologia adequada, precisa e objetiva, que dificultava-lhes as expressões das ideias e, consequentemente, alongava o caminho que levaria a habitação da linguística como ciência, afinal, como só a é ciência universal é necessário que sua nomenclatura também seja universal.

Na tentativa de racionalizar o estudo linguístico, Saussure, em seu “Curso de Linguística Geral” propõe o seguinte esquema:
  • Linguagem: língua e fala;
  • Língua: sincronia e diacronia;
  • Sincronia: relações paradigmáticas e relações sintagmáticas;
Como se pode ver, a teoria de Saussure se desenvolve não apenas através de divisões, mas a partir do estudo das oposições segundo uma mesma noção dicotômica, como se pode ver também na sua teoria do signo linguístico:
  • Signo = Significante + Significado
  • Princípios de Signo = Arbitrariedade + Linearidade

A primeira dicotomia que vamos apresentar é entre língua e fala.

Para Saussure, a linguagem tem um lado social, a língua (langue) e um lado individual, a fala (parole).

A língua é usada entre os membros de uma comunidade, que seguem um determinado sistema linguístico, e a fala é o registro individual da capacidade de linguagem, é a maneira que cada pessoa adota para se expressar. Ela é coletiva, social e sistemática: quer dizer que ela é um sistema, um conjunto organizado, que se define pelas oposições a outros, produto que o individuo registra passivamente.

Fala é a manifestação ou concretização da língua. É assistemática, ou seja, um ato individual de vontade; ao falar o falante precisa optar por uma ou outra maneira de dizer a mesma coisa ou escolher entre vocábulos. A fala é particular, individual e dependente.

Para Saussure, a fala não deve ser estudada pela linguística, pois é secundária e assistemática.

Sincronia e Diacronia

Sincronia: Estudo da língua em dado momento, ou seja, recorte e análise de um momento específico da língua, não relacionado à sua modificação ao longo da historia, mas as relações no momento do recorte.

Diacronia: É o estudo histórico da língua, como é possível verificar neste exemplo:

Em 1980, chegou ao Brasil o Leite Moça. Ótimo alimento para as crianças. Consumido apenas como bebida podia ser armazenada por muito tempo, ideal para período de escassez de leite. Quando aparecia a lata com a figura da moça, as solicitações eram imediatas, todos queriam a “lata da mocinha”. E assim, veio para ficar. A jovem com traje típico, no rótulo, é homenagem a uma camponesa suíça do século XIX, quando a mulher vivia confinada ao lar, disponibilizando sua criatividade para a confecção de doces. Na época o leite condensado da Suíça tinha a marca “La Latirei” (vendedora de leite) quando exportado, procurou o nome equivalente na língua de cada região. No Brasil por falta de um equivalente em português, denominou-se “Milkmaid”, porém a dificuldade em pronunciar o nome transformou o produto em “esse leite da moça”. Quando a Nestlé iniciou sua produção, em 1921, com a primeira fabrica em Araras,  São Paulo, optou pela designação criada pelo consumidor. Mudou de “Leite Condensado Marca Moça” para “Leite Condensado Moça”, depois para “Moça Leite Condensado”, foi assim que surgiu a marca Leite Moça que, hoje, é apenas “Moça”.




Significante e Significado

Essa dicotomia diz respeito ao signo, elemento constituinte das línguas, que apresenta duas faces em sua definição. Para Saussure o signo é a junção do significante com o significado, ou seja, é a união da imagem acústica com o conceito. As três características do signo linguístico são a arbitrariedade, a linearidade e a sistematicidade. A primeira se refere ao fato de que as escolhas dos significantes e significados de cada signo se dá por simples convenção social. A segunda se refere à distribuição espacial dos elementos que compõem o signo, onde esses elementos sempre aparecem um após o outro, como uma linha, ocupando lugares distintos. A troca de lugar de um elemento pode dar origem à outra unidade linguística, que é a terceira característica e que está relacionada à noção de valor citada anteriormente: um signo se define em relação aos outros, um é aquilo que o outro não é.

Sintagma e Paradigma

De acordo com Saussure, tudo o que acontece na realidade sincrônica da língua está relacionada a dois eixos: o eixo sintagmático e o associativo (paradigmático).

As relações sintagmáticas baseiam-se no caráter linear do signo linguístico, ou seja, é impossível que dois elementos sejam pronunciados ao mesmo tempo, pois a formação da língua se dá a partir de elementos que se sucedem um após o outro, sendo assim, o sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas.

Por exemplo:

“ar” = dois fonemas;

“casa” = duas silabas;

“vamos jogar bola” = três léxicos;

Na cadeia sintagmática, cada elemento passa a ter valor de acordo com a relação que estabelece com o termo que lhe precede ou sucede, ou com ambos.

Dois exemplos: na palavra “flecha”, não se pode dizer as duas silabas ao mesmo tempo, nem se pode dizer “cha” depois de “fle”, pois “chafle” não faz sentido para os falantes.

É essa presença dos termos precedentes e subsequentes no discurso (ou plano sintagmático) que faz Saussure também chamar a relação sintagmática de “relação inpraesentia”.

Por outro lado, se dizemos “O boi comeu o pasto”, pensando em opor “comeu” a “come”, ou em trocar “pasto” por “capim” (o boi come capim), estabelecemos uma relação associativa ou in assentia (também chamada paradigmática), pois “come” e “capim” não está presente no discurso, relacionando-se a este apenas na mente do falante, através da associação dos tempos presentes aos termos ausentes que poderiam ser utilizados.

Como se pode ver, as unidades do paradigma se opõem. Se uma esta presente, as outras estão ausentes; uma exclui a outra.

Portanto, a relação entre os eixos sintagmático e paradigmático se dá da seguinte maneira: o sintagmático (horizontal) é o eixo das relações concretas, do discurso em si; o associativo (vertical) é o eixo das possibilidades, é o que fornece material linguístico que pode ser utilizado no discurso: é o suporte do primeiro eixo.


Texto por Camila Aparecida
Arte por Jéssica Oliveira

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